segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Personalidade de Nelson

     Nelson Rodrigues tinha a capacidade de mergulhar nas profundezas sombrias e trazê-las a tona de forma brutal num estilo quase que sarcástico como apenas uma pessoa com um forte poder de julgamento e crítica poderia. O retrato cru dessa natureza instintiva do homem que toca o absurdo, ganha um tom irônico, crítico, característico de sua arte

    O aprofundamento da intuição leva naturalmente o indivíduo a um grande afastamento da realidade palpável, a pessoa e a arte de Nelson Rodrigues sempre provocaram estranhamento. Segundo consta em sua biografia, quando menino já possuía certo ar melancólico de afastamento da realidade, só que, nele, essa melancolia era dramática, de tango. Ao contrário dos irmãos, era avesso aos esportes, sua paixão pelo futebol era apenas de espectador, não se animava a ir à praia e precisava ser subornado para que participasse de brincadeiras na garagem.

    Nelson era uma personalidade marcada por grandes contradições, um conservador que ao mesmo tempo proclamava a liberdade, os vários relacionamentos extraconjugais mantidos ao longo da vida paralelos a um casamento indissolúvel com uma mulher bastante idealizada revela um drama comum do homem cristão dividido.

Rui Castro que escreveu uma biografia sobre o autor relata algumas manifestações do inconsciente em Nelson: “… seus apelos à sensibilidade ficaram tão agudos que começou a enxergar miragens. Em ‘O elogio do silêncio’, de 23 de fevereiro, Nelson viu ‘flores que se transformam em lindos seios de mulher, seios que acabam como botões de rosa’. Em ‘A felicidade’, de 8 de março, comparou a lua a ‘uma prostituta velha que ainda se julga apetecível para rapazes que zombam dela’. E em ‘Palavras ao mar’, de 22 de março, descreveu ondas que ‘depois de alternarem num arremesso formidável, caem ruidosamente no torvelinho branco de espumas, parecendo um bando de mulheres se contorcendo em convulsões de amor’.” (1992: 65).Vemos muito isso na imagem da mulher ainda bastante presa à imagem materna gera uma cisão em que pureza e sexualidade que se antagonizam.
     A concretização através dos personagens desse lado primitivo que o homem civilizado sequer pode reconhecer como pertencente a si adquire uma função purificatória. No encontro com o sombrio, grotesco e desagradável existem possibilidades de vida e criação, pois a moralidade rígida atende mais a um ideal de perfeição do que de totalidade. A totalidade de anjo pornográfico, capaz de interagir com diferentes aspectos do ser.

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